Esgoto ou lixeira?

É comum nos momentos em que acontecem enchentes, ocorrência costumeira e, assim, não recebida com surpresa e espanto em diversas regiões, seus moradores julgarem os governos a nível regional e nacional pelo descaso que teria exposto as comunidades a perigos na saúde e segurança e provocado danos em estruturas e bens de casas e estabelecimentos comerciais. Focados nas possibilidades de erros do Estado na construção e gerenciamento das redes de esgoto e desvio de águas pluviais, não reconhecem as fraquezas do mesmo no sentido de informar os cidadãos sobre os cuidados com esses sistemas e fiscalizar com certa frequência seus comportamentos no sentido de, por exemplo, reprimir o descarte de lixo nos bueiros e galerias, reservados apenas ao fluxo de matérias líquidas e semilíquidas, atitude ligada a muitos problemas dessa natureza em zonas urbanas, dos quais provêm dois recentes e estranhos, mas comuns e sérios, exemplos, sendo um nacional e outro estrangeiro. Sem dúvida não se aguardava a descoberta de uma ripa de madeira medindo 3 metros dentre os resíduos retirados de uma galeria entre as ruas Rio de Janeiro e Maranhão, na cidade paulista de Andradina no dia 10, embora seja comum a necessidade desse tipo de operação. De modo um pouco diferente os técnicos da empresa Thames Water, prestadora de serviços na área de saneamento básico em Londres, capital da Inglaterra, tiveram de lidar com a desobstrução de esgotos do distrito de Chelsea, de onde removeram nesta quarta-feira (22), não pela primeira vez, uma massa de gordura congelada, lenços umedecidos, papéis higiênicos e outros detritos que, medindo 40 metros e pesando 10 toneladas – igual a 5 Porsches –, saiu detonando legal com as tubulações e trazendo prejuízos consigo.

As descobertas e invenções do ser humano ao longo de sua grandiosa história fizeram de nós uma extraordinária espécie por conseguir enfrentar os desafios impostos pela natureza (animais perigosos, fatores climáticos e doenças), sendo desconsiderada a permanência de vários maus hábitos cujas raízes não apresentam nenhum sinal de que podem ser arrancadas com tanta facilidade de nosso estilo de vida, mesmo com o conhecimento dos malefícios. O descarte de tudo que nada mais tem a somar em nossas tarefas é uma dessas questões na qual a consciência da maioria de nós deu poucos passos para a frente, ainda que contemos em qualquer lugar com lixeiras e outros recipientes e locais destinados à disposição de todo material e o tempo gasto no acesso a esses recursos e seu uso é uma piada apesar de nossas rotinas terem se tornado mais complexas. Somados aos danos que sofre o meio ambiente com a liberação de substâncias nocivas presentes nos mais diversos dejetos e sua praticamente eterna presença resultante do interminável tempo de decomposição de alguns deles sobram ainda transtornos estruturais para as zonas urbanizadas onde residem pessoas irresponsáveis com a sujeira que produzem e é propensa a atingir as redes de esgoto direta ou indiretamente (neste caso vinda com a água da chuva depois de ser atirada para o chão) por conta do manejo indevido.

É em desastrosas situações do calibre dos desfechos dos dois casos retratados que pode chegar a inocência dos pensamentos (igual em todos) de cada ser que, jogando erradamente seu lixo, colabora sem perceber para o acúmulo das sujidades nos sistemas de coleta de águas pluviais e residuárias, independendo do tamanho da contribuição de cada um, pois a união de todas faz o estrago. Quem sabe o espanto decorrente do incomum resultado da operação de limpeza perpetrada na galeria de águas de Andradina, onde havia bastante plástico e o pedaço de pau em generoso tamanho (vindo com muita probabilidade de canteiros de obras), aja de forma similar a um balde de água fria nas mentes preguiçosas dos moradores responsáveis pelo evento com a meta de dar-lhes a devida consciência por meio dos efeitos colaterais que poderão enfrentar junto com pessoas inocentes graças aos recursos e ao tempo perdidos nos reparos dos danos e na reposição do asfalto do trecho, que teve de ser perfurado, e poderiam ter utilidade em outros procedimentos de melhorias na infraestrutura urbana ou em diferentes áreas como saúde e educação. E a Inglaterra não fica atrás, tendo, muito pelo contrário, o monstro criado pelos cidadãos de sua capital – denominado "fatberg", fusão de fat (gordura em inglês) com iceberg (aqueles blocos enormes de gelo existentes em determinadas regiões oceânicas) – na base de óleo de cozinha inservível e outros materiais mandados pelo ralo, no verdadeiro sentido, feito o segundo caso ter talvez mais repercussão ao danificar os trechos de tubulações por onde passava enquanto era removido com a superioridade de suas medidas sobre às da rede, originando prejuízos de 400 mil euros à Thames Water (quantia que igual e certamente fará falta em outras necessidades da prestadora de serviços). A ocorrência não causa tanta surpresa nos moradores da cidade e nos trabalhadores da área de saneamento por ser um repeteco do recorrente fenômeno, sendo que em setembro de 2013 foram encontrada uma fatberg do tamanho de um ônibus e no mesmo mês do ano seguinte, uma de medidas equivalentes às de um avião Boeing 747! Esses milagres ilustram uma realidade da capital britânica diferente do Paraíso vendido pela grande mídia e as agências turísticas, algo para brasileiros com as mesmas condutas verem e se sentirem em casa e muito mais realista se comparado às obras públicas feitas aqui no Brasil, em nossa linguagem popular, para levar os ingleses a pensar que os governantes estão a trabalhar em prol do povo, quando na verdade tèm mais aparência do que função. Deus salve, além da rainha (como no título do hino nacional), os esgotos londrinos!

Pelo que os dois casos e seus similares dão a entender, a Inglaterra (em especial a cidade que é sua sede política, embora possam estar ocorrendo iguais problemas em outras áreas de país), em relaçào ao lixo de difícil ou impossível reaproveitamento (papeis higiênicos e o óleo de cozinha), estaria no mesmo nível que o Brasil quanto ao tratamento dos resíduos em geral. Nossa pátria amada não disponibiliza a seus habitantes, desde os primeiros anos de vida, campanhas educativas (em especial nas escolas) e leis capazes de levá-los a manipular do modo certo aquilo que não lhe serve mais, nem sequer áreas para depósito e processamento dos dejetos em quantidade e forma de operação com vigor para incentivar isso, iniciativas reais no cotidiano dos ingleses, não sendo, entretanto, perfeitas por não estarem sendo bem conduzidos no tocante aos materiais que, ao contrário de papéis comuns, plásticos, metais e vidros, não têm condições adequadas para reciclagem e devem ser lançados nos vasos sanitáriossanitários ou nos ralos (isso é possível nesses países de primeiro mundo, pra quem não sabe) rumo ao esgoto e às estações que o purificam (exceto os óleos, capazes apenas de gerar problemas como os já citados nas canalizações e, por outro lado, é um ecológico combustível e bom ingrediente para sabões, havendo locais onde é colhido e beneficiado, o que é aparentemente negado pela situação). Nessas e outras questões em torno da preservação dos bens de uso comum, os governantes de todos os lugares do mundo têm duas escolhas: levar seu povo a compreender que são todos donos dessas coisas, tendo as quais a mesma importância a todos os usuários, e ajudar a mantê-las em boas condições de uso, ou não esforçar-se na prevenção e combate às formas irresponsáveis de manuseio dos recursos, cujos reflexos afetam os praticantes, mas também arrebentam a corda para o lado dos inocentes, com os transtornos oriundos dos danos e os gastos para sua reparação. Cada governo optou por um destes caminhos, eis aí um dos fatores que influenciam nas condições socioeconômicas dos contingentes populacionais sob sua autoridades!

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