Promotor já nasceu com esse dom!

Apesar do descaso com que costuma lidar com autores de crimes graves como assassinatos, violência doméstica e agressões sexuais, parte do setor judiciário brasileiro começa a tratar com o merecido rigor outro problema de não menor seriedade que já acometia o país há tempos, mas está se intensificando, a cada vez maior ocupação do repertório musical popular por obras com conteúdo exaltador de condutas que desprezam as normas da sociedade e do governo, como abuso de drogas (tanto liberadas quanto ilegais), atos violentos e sexo irresponsável, momento vivido por vários estilos musicais, dentre eles o funk, do qual um dos mais conhecidos representantes tornou-se alvo da repressão judicial na época presente, o que se espera quanto aos outros nomes desta e das demais vertentes. O despertar das autoridades no tocante a este caos se deu graças à idade de literalmente um dos mais novos ídolos do público consumidor dessa segmento musical, o que lhes teria chamado a atenção, embora isso não seja privilégio dele. Após a fama obtida com suas músicas carregadas de alguns dos já mencionados temas incoerentes com sua faixa etária (12 anos), à qual pertence boa parte do público, o paulistano Pedro Maia, vulgo MC Pedrinho, e sua família, que agencia a carreira parcialmente, começam a conhecer os lados negativos da escolha feita com o impedimento de diversos shows por conta destas e outras inadequações. Fortaleza (CE) e Araçatuba (SP) em janeiro, acompanhadas por Bento Gonçalves (RS) no mês seguinte iniciaram o ano mostrando entender a falta de lógica em basear-se na popularidade para medir a qualidade do produto, sendo o exemplo aproveitado no último dia 1° por Campo Grande, no estado onde vive o autor de mais este artigo e de onde o mesmo parte.

Em nossa Cidade Morena o responsável pela extensão até a mesma das rédeas que já vinham sendo parcialmente usadas nos conteúdos de entretenimento destinados a crianças e adolescentes foi Sérgio Harfouche, o que nos surpreende apenas em virtude de o magistrado ter interrompido suas férias para isso, uma vez que há tempos já é conhecido neste estado seu empenho na proteção dos direitos e em fazer cumprir-se os deveres desta categoria, expresso em suas ideias e ações. Assemelham-se os procedimentos adotados por este promotor com as decisões nos outros locais não só nas penas determinadas aos contratantes e organizadores dos eventos (cancelamento das apresentações, sob ameaça de multa), como também em suas justificativas, as irregularidades nos locais e processos de contratação dos shows, que ocorriam entre os fins de noite e madrugadas, atraíam com maior foco jovens da faixa etária do cantor, com acesso a bebidas alcoólicas, impróprias para essa idade, não bastando já ser assim as mensagens proferidas pelo artista, que ainda não tinha permissão judicial para o trabalho, realidade alvo de tentativa de ocultação pela produtora regente de sua carreira.

De inteligente instrumento de expressão demonstrador da sabedoria que, apesar de não contarem com educação digna, assim como os demais serviços públicos, os moradores de favelas cariocas possuíam para chamar a atenção das autoridades quanto a este abandono na época em que surgiu, os anos 80, o funk, a partir da década de 2000, passou a traidor da categoria, embora seus atuais defensores insistam em dizer que é a cultura e representa o cotidiano dos pobres, perigoso argumento reforçador dos preconceitos das elites por contrariar a verdadeira realidaderealidade desta camada social, em que a maior parte de seus componentes gasta grande parcela de suas energias (até o que não têm) dando duro para sustentar a si e às famílias e melhorarem de modo honesto suas posiçôes sociais, mesmo não sendo fácil o alcance desses objetivos. Do mesmo jeito que no rap, as melodias extremamente rasas e repetitivas do ritmo carioca pouco importavam diante das reivindicações nas letras, dentre as quais o talvez melhor representante seja o "Rap da Felicidade" de Cidinho e Doca ("Eu só quero é ser feliz / Andar tranquilamente na favela onde eu nasci / E poder me orgulhar / E ter a consciência que o pobre tem seu lugar"), mas as mudanças pelas quais vem passando o segmento (com a existência de propagadores em São Paulo e a difusão por todo o Brasil) não condicionaram a preservação de seu bom uso e tinham como maior propósito dar lucros a mercenários do ramo de produção musical em cima da fácil (por causa do precário nível de escolaridade) manipulação dos potenciais porta-vozes das "quebradas", estimulados a glorificar o sexo descuidado e a delinquência (lamentavelmente uma riquíssima mina de ouro) e, com isso, seduzir sem muito esforço uma leva de admiradores (a maioria jovens vivendo sob as mesmas condições) para estes caminhos errôneos com as imaginárias vantagens de tais escolhas, contrárias aos preços pagos por muitos indivíduos que a prática exibe. A ambição anda sem freios. Nada melhor para os investidores do que apostar em produtos mais chamativos ao público, ambos de preferência com idade mais reduzida possível, aproveitando talentos nascentes, com facilidade aumentada pelo apoio dos familiares ao recrutamento dos artistas na esperança de superar a pobreza (ajuda que passa pra trás a dos homens públicos), caso de Pedrinho. É uma pena, mas já estamos liberados, apesar do reconhecível empenho de Harfouche e outros membros do Judiciário, para adiantar os pêsames a uma extensa quantia de jovens dessa geração (tanto os que propagam os ensinamentos que vão contra as leis e normas sociais como os que recebem a influência) propensos a ter seus percursos e destinos, nem um pouco generosos, traçados pela absorção das mensagens transmitidas pelas manifestações artísticas e com efeito potencializado pelo modo com que faz-se vários dos eventos, carga milhares de vezes superior ao que pode ser seguro para mentes que ainda desconhecem, por exemplo, as capitais da maioria dos países do mundo e tampouco conseguem analisar direito os benefícios e males dos estímulos com que entram em contato. Sem esquecer que a fama dos MCs mirins, igual à dos já crescidos, não é eterna e, portanto, perspectivas muito profundas deles a respeito de seu futuro e do de seus parentes são fantasiosas por conta do risco de retorno de todos à sua situação original com a vinda de novos ídolos ou a perda natural de prestígio desses modismos com o tempotempo ou medidas que podem partir dos próximos governos na intenção de botar o país em ordem.

Como parte de uma sociedade democrática temos o direito (e dever) de mostrar nosso ponto de vista, queira sendo favorável ou adverso, defronte a todos os assuntos, quer por meios intelectuais ou valendo-nos das artes. Contudo, de igual forma que as demais liberdades, ela não é infinita, o que pode acarretar abusos maléficos à coletividade. Em especial no cenário das obras musicais, essas restrições parecem não se aplicar na imensa maioria das vezes em que trabalhos aliados a condutas indecentes são pulverizados diretamente sobre o público (não atentando para a intensidade da aceitação)) pela mídia ou em aparelhagens sonoras de automóveis particulares, estabelecimentos comerciais e ambientes que sediam festas. O que está sendo feito das leis do Código Penal existentes para coibir as depravações? Só metade da lição de casa é feita pelo Estado, que procura manter o cerco a conteúdos incentivadores das drogas e da violência (legislação sobre isso) ao passo que pouco perturba os responsáveis pela emissão de materiais, principalmente na forma de áudio (música), pornográficos por considerar baixo o poder ofensivo (vejam aqui), só na visão dos membros do Poder Público mesmo por viverem estilos de vida sofisticados até demais e não conhecem com mais profundidade o vexame passado por pessoas de bom senso como as dotadas de altos níveis de instrução pedagógica ou prática (universitários ou indivíduos de mais idade), assim como as integrantes de crenças religiosas defensoras dos valores morais, valendo relembrar ainda a má influência no juízo em formação das muito jovens, como consequências da poluição sonora e mental (independendo do tipo musical ou qualquer que seja o gênero artístico). Reformas na atuaçào dos órgãos de policiamento e na estrutura da educação básica, com a inserção de aulas de incentivo às artes sadias nas escolas e uma mais constante abordagem em sala de aula do quão é necessária a obediência aos princípios morais da sociedade, são algumas das providências cuja importância é expressa pelos atuais fenômenos, exigindo que se estimule o uso de linguagens em maior acordo com as normas de ordem e paz social.

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