Teve golpe bilateral

A rotina dos deputados em Brasília e da sociedade toda, nenhum povoado, distrito, cidade ou estado de fora, foi uma sessão extraordinária que, começada na sexta-feira, tomou inteiro o fim de semana num voltar de olhos generalizado para momento imprescindível ao futuro do Brasil que largamente afastou-se do plano geral em que boa soma dos cidadãos e da mídia estão habituados a colocar a política. As discussões e votações correram e o placar final, aprovando o seguimento do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff para o Senado {1}{2}, repetiram cristalizada certeza, a extensão dos obstáculos a mudanças que drenem o chorume deste governo para além do que se almeja derrubar.

A palavra "golpe" bate recorde de uso na linguagem social, política e midiática ao lado de "impeachment" no desenvolver do referido processo. Não há como recusar destaque à inteligente associação entre o procedimento constitucionalmente autorizado e táticas ilegítimas para tomar ou manter o poder cujos autores são partidários do PT e vigias da honestidade na política.

A esperteza desses grupos encontra-se com os desejos gerais ao manifestar objeções ào exercício por figuras ao tipo de Jair Bolsonaro e de outros deputados em algum nível envolvidos em ilegalidades públicas das condenações a Dilma.

A saudação pelo "mito" feita ao falecido militar Carlos Brilhante Ustra, participante das repressões com que é identificada a ditadura {3}, terá sido mais um condimento a suas ideias para quem as saboreia, em paralelo à liga que acrescentou à consciência mais realista dos que o descartaram como representante, favor do mesmo ao defender opinião inseparável de sua personalidade fazendo uso das liberdades ideológicas restituídas após o período louvado. As boas intenções vistas na luta de Bolsonaro para impedir que a homossexualidade manifesta naturalmente em quem adere a ela seja imposta a toda a massa integrada por muita gente que vai na onda de qualquer ideologia sem avaliar seus impactos, o bastante para desandar a marcha normal da coletividade, já formavam um par antagônico em sua consideração pelos direitos humanos com as passadas, mas ainda válidas declarações racistas emitidas pelo dito cujo expressando ver a ordem social como atrelada aos caracteres físicos dos indivíduos.

O julgamento a suspeitos de atropelar muitas vezes em cheio a lei caminha para fora da estrada intencional correta quando os acusadores não diferem no caráter. A votação do impeachment já era antecedida por deputados reiterando a ilegalidade do juízo sob o comando do chefe Eduardo Cunha {4}, envolto em suspeitas que não lhe permitiriam sequer falar em Dilma e constam na reputação de outros membros da Câmara, não tendo eles moral para apontar nem onde o líder errou. Revejamos o caso da deputada mineira Raquel Muniz (PSD), que disse "sim" ao impedimento enaltecendo contribuições do esposo, Ruy Muniz, prefeito de Montes Claros no PSB, capazes de virar o jogo no país. No dia seguinte a público veio com a prisão deste em Brasília e da secretária de saúde de Montes Claros lá mesmo, ambas pela Polícia Federal {5}{6}, o contrário que ocorria na realidade, a canalização de recursoas de um hospital público e instituições de saúde filantrópicas para o estabelecimento no ramo cujos titulares são Ruy e parentes, nem aí estando para os exames e consultas impedidos nos centros médicos, ou seja, o coração de pedra obrigatório aos que anseiam fazer gambiarras financeiras conectadas entre seus bolsos e os fornecedores de tão importante serviço. Não tendo mais a pauta de peso que passaram para o Senado, estão livres as forças dos parlamentares retos para substituir seu comandante {7} e também os colegas iníquos, lutando em busca de reforços em uma vital estrutura da Casa, o apoio popular.

Avisou o líder do Senado Renan Calheiros que os votos para depor ou conservar Dilma na presidência seguirão puramente o rigor das acusações, e não "o que a família (dos senadores) quer" {8}. Isto se traduziria em um afastamento em relação à realidade das decisões individuais com influenciadores e propósitos mutantes de senador para outro e eventuais homenagens prestadas com elas à primeira instituição social, já metida na dubitavelmente justa extensa sessão da Câmara, nem o nome de Deus sendo poupado {9}. Acontecimento com terreno garantido no Senado por ser irmão gêmeo da Câmara quanto a sua higiene, ambos tendo até os comandantes com ficha suja.

As constatações dão legitimidade ao reinado petista há 14 anos vigente? Só nas cabeças dos militantes e fortes aliados, moldadas prévia e irreversivelmente na fantasia marxista de tão fácil ser nivelar por baixo os interesses de todos vislumbrando uma sociedade sem diferenças patrimoniais, muito provável que valendo só para os cidadãos comuns. Apesar da abissal variação – do aperto nas contas domiciliares e empresariais à perda do trabalho em razão do enfraquecimento ou colapso total das fontes empregatícias –, a disponibilidade monetária dos brasileiros atingiu comum nivelamento para baixo por efeito da descoberta do assombroso esquema de crônico e diversamente partidário roubo à Petrobras, que abalou nossa moral no exterior, culminando em queda na fluidez econômica, e com reforço da ineficaz tentativa por Dilma de obter inalcançável equilíbrio orçamentário abrindo créditos suplementares clandestinos e contraindo empréstimos em bancos ("pedaladas fiscais") {10}. Não precisaríamos enfrentar a crise para nos ser indicado outra vez ao que serve não solitário este partido que, dizendo-se incondicional representante do povo, ocupa a mais célebre posição na República. Assim, e não só no quesito feitura e partilha de riquezas, estamos por boa parte nossa não ter considerado antes da escolha eleitoral de 2014 o escândalo do Mensalão e na área social a forma omissa de o PT, influenciando as outras legendas, gerir a transmissão de conhecimento cultural e valores morais especialmente no setor infanto-juvenil da sociedade, determinante para o que será dela amanhã. O organismo político nega as mazelas frente aos eleitores a fim de se manter na ativa tentando marcar mais gado, o que também caracteriza… golpe {11}{12}.

Sem justificativas racionais, "mortadelas" e "coxinhas" não têm suporte para suas mútuas intrigas além da avareza que leva muitos membros das duas facções a só quererem entregar a coroa mortos. Estão, afinal, numa boa com as dificuldades à renovação do sistema manifestas pelo tratamento que este dá a políticos segundo seu poder patrimonial, fator cuja voz precisa ser abaixada por iniciativas das autoridades judiciárias eleitorais com a colaboração do povo. Demolir todos os pedaços – sem ter como critério a bandeira partidária – da mofada parte da casa será uma volta por cima da vergonha que seu todo passa.

(Reprodução no Artigonal, Artigos.com, Dourados News e no blog de um amigo meu, Valfrido Silva)

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